Minha primeira missão no Mixology News foi de escrever sobre #AssédioNoBar.

A primeira impressão que me veio à mente foi a de que seria muito fácil reunir diferentes relatos sobre clientes assediadores, visto que 52% das mulheres já declararam ter sofrido algum tipo de assédio no trabalho. Entrei em contato com algumas mulheres cujos nomes eu já conhecia. Comecei perguntando à Jéssica Sanchez e à Sandra Mendes se elas já tinham vivido uma situação parecida e elas responderam que nunca tiveram esse tipo de problema com clientes nos lugares onde trabalharam. Desanimei. Como assim? Será que só eu tinha passado por isso? Será que, de fato, eu tinha feito “alguma coisa errada” pra chegar ao ponto de um cliente me olhar com toda naturalidade do mundo e perguntar quanto custava um programa comigo, pressupondo que toda e qualquer mulher que trabalha a noite também realiza trabalho sexual? Lá estava eu, Bruna Abeijon, bartender de Porto Alegre,  na situação em que provavelmente todas mulheres que sofreram assédio já estiveram: me culpando pelo que aconteceu.

Infelizmente os casos realmente existem

Resolvi pesquisar com outras bartenders e os relatos enfim começaram a aparecer. Mariana Burity, bartender do Teva (RJ), descreveu a situação de assédio mais marcante de sua carreira. Ela atendeu um homem que passou a noite no balcão conversando. Inocentemente, ela comentou que morava perto do bar e gostava de voltar a pé pra casa. Conforme a noite foi passando, esse cliente foi se tornando inconveniente. Depois de ter seu convite pra sair recusado, ele foi embora logo antes do bar fechar. Voltando pra casa, Mariana percebeu que o homem a esperava na rua e começou a segui-la. Felizmente ela conseguiu correr e chegar em casa em segurança.

Porém partir do ocorrido, todos os dias seguintes passaram a ser voltas inseguras para casa. O que era prazer havia virado receio.

Alana Domingues, do Negroni, (SP) descreveu ter vivido situações desagradáveis com alguns clientes, como numa noite em que se negou a dar seu número de telefone, teve que ouvir comentários grosseiros.

Kaytie Oliver, do Red Feather Lounge, em Boise (EUA), compartilhou um relato sobre assédio de um cliente. Um senhor mais velho, que inicialmente estava conversando sobre a cidade e por que ele havia se mudado pra lá, começou a fazer comentários sobre o corpo dela, e tentou se aproveitar de um aperto de mão pra agarrá-la. Infelizmente, ela conta que esse não foi o único cliente que tentou “abraçá-la” contra sua vontade.

Pra minha surpresa, no entanto, os principais assediadores não eram os clientes embriagados. Conversando com Alana, ela me disse que, em uma casa em que já trabalhou, um dos sócios se aproveitava dessa posição pra fazer “cantadas” constrangedoras, chegando ao ponto dela precisar conversar com os outros sócios do lugar. Kaytie, também teve problemas com o equipe de alguns lugares onde trabalhou. Seus colegas faziam comentários ofensivos e chegaram a forçar contato físico como se fosse algo natural.Conversei também com a Carol Gutierres, da Mixxing (RJ). Ela disse nunca ter sofrido assédio de clientes nos lugares onde trabalhou, apenas recebendo convites para sair, feitos com respeito e educação (que bom). Porém, relatou que mais de uma vez e em mais de uma casa, passou por situações desagradáveis com pessoas do equipe, tanto garçons como funcionários da cozinha. Intimidações como opiniões grosseiras sobre seu corpo e até tentativas de contato físico indesejado.

Ana Paula Ulrich, do +55, (Curitiba) contou que, como bartender, os principais problemas foram comentários machistas vindos da equipe, como o clássico “tá de TPM”, tão proferido quando nós mulheres nos mostramos firmes ou bravas, seja pelo motivo que for. Com recorrência, ela ouviu pessoas de bar insinuarem que as chefes de bar que conhecia haviam alcançado essa posição por ter envolvimento sexual com os proprietários dos lugares. Essas afirmações, no entanto, não possuíam qualquer embasamento em fatos. Porém, a pior situação foi quando, durante um workshop, ouviu comentários sexistas de um profissional respeitado no mercado.

O relato da Analice Souza, cientista social, bartender e proprietária do Oliver Art Bar (BH), nos revela a que ponto pode se estender o assédio. Um dia, um rapaz que trabalhara como garçom freelancer no seu bar mandou uma mensagem, contando que havia se tornado bartender em outro país, e que, graças a uma receita de drinque que aprendera com ela, estava se destacando no serviço. Entretanto, uma conversa que iniciou com um agradecimento rapidamente descambou pra um assédio sexual. Ou seja, nem em uma posição de chefia as mulheres estão livres de sofrer assédio.

Seria o balcão uma proteção natural contra o assédio?

Para as mulheres que trabalham no salão, o assédio dos clientes é ainda mais constante. Alana Domingues ressaltou que o dia a dia das garçonetes é mais sofrido nesse sentido, Ana Paula confirmou que quando estava nessa função passou por mais situações do tipo.A principal reclamação das garçonetes é que os gerentes e proprietários dos bares e restaurantes não entendem o quão pesado é lidar com essas situações todos os dias, tendo que suportar o assédio e, ainda assim, não destratar o cliente. Em outras palavra, o suporte para empresa para coagir ou criar um ambiente mais saudável é quase sempre nulo, muitas vezes, abafado.

De fato, o balcão acaba sendo uma barreira física contra esse contato indesejado. Porém, isso não livra as mulheres do bar de comentários sexistas disfarçados de piadinhas, de comentários mais agressivos sobre seu corpo e sua aparência e mesmo de sofrer tentativas de contato físico indesejado. Mesmo tendo o balcão como uma espécie de proteção, o que acontece quando o assédio tem passagem livre pra cruzar essa barreira?

Ser assediada por um cliente é horrível, mas quando isso parte de um colega, cujo convívio é diário, a situação se torna ainda mais complicada. Como vamos nos sentir felizes, realizadas e nos dedicar a executar um trabalho excelente e melhor a cada dia se não estivermos seguras com a nossa própria equipe?

“Mas então, não posso chamar a bartender para sair?”

Poder, pode, sem dúvidas. Se for de maneira educada e respeitosa, pode sim. Mas é necessário entender que é um direito dela não aceitar. A bartender, a garçonete, a hostess, a caixa, a cozinheira, a gerente, ou qualquer outra mulher sempre tem e terá todo o direito de recusar seu convite e você tem o dever de respeitar a vontade dela.

Num ambiente de diversão e com a presença de álcool envolvido na cena, pessoas interpretam quem trabalha no bar como parte consumível do cenário de entretenimento em que opera. Para muitas pessoas, é difícil ver a mulher que trabalha à noite como uma profissional séria, ou mesmo como uma profissional, e não apenas parte da festa. É importante enxergar que existe #AssedioNoBar e o quão problemáticas podem ser atitudes que muitas pessoas interpretam como inofensivas.

Também é importante entender que a segurança das mulheres que trabalham no bar não é somente necessária pra que elas possam se desenvolver e realizar um bom trabalho, mas que sua segurança é devida e é um direito. De acordo com pesquisa da OMS, Organização Mundial de Saúde, aproximadamente 90% das jovens entre 14 e 24 anos já deixaram de fazer algum coisa, como sair à noite, usar determinada roupa ou seguir a sua rota normal com medo da opressão e violência. 90% é muita coisa. Não podemos permitir, nos manter caladas e calados diante tamanha injustiça. A partir de hoje, o Mixology News lança a campanha #AssedioNoBar e #UmaDoseDeRespeito.

Participe, compartilhando a sua vivência e suas histórias, porque no assédio a culpa é sempre do agressor. Não se cale mais! 

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