— Eu costumava vir aqui neste bar com meu pai, quando ainda era criança.

— É sério? E ele deixava você beber?

— Não, claro que não. Eu tomava um refrigerante, ficava olhando. Mas pensava que queria ser grande logo para pedir o mesmo que ele. Um Campari com laranja e gelo.

— Pensa que você evoluiu em relação ao seu pai, porque agora toma Negroni.

— Eu tomava refrigerante e imitava a careta que os adultos faziam depois de beber. Meu pai sempre ria disso.

— Imagino. E você não ficava entediado? Quer dizer, havia outras crianças?

— Que nada, cara. Só eu e o velho. Este mesmo balcão. Quase nada mudou. A única diferença é que não tem mais criança por aqui. Só a gente, dois adultos sem graça.

— Porra, devia ser chato pra caralho. Criança quer brincar.

— Pois é. Mas acontece que não era. Não sei por qual motivo, mas me sentia tranquilo aqui. Uma calmaria. Nem percebia o tempo passar. Quase como se sentisse o efeito da bebida por tabela, sei lá.

— É meio arrepiante esse bar. Beber bem em frente ao cemitério é meio bizarro.

— Às vezes, enquanto ele ficava bebendo, eu ia dar uma volta sozinho pelo cemitério. De bicicleta. Meio mórbido, né? Mas gostava de ver as lápides, do silêncio. Ficava procurando sepulturas que pertenciam às mesmas famílias. Tipo, marido enterrado ao lado da esposa. Filhos, essas merdas todas.

— Porra, cara, que criança doente você era. Não é à toa que agora escreve esses livros aí que deixam o pessoal querendo se matar.

— Uma vez, saímos daqui e fomos para casa. Tinha um armário podre no quintal, estava lá para ser levado pelo carroceiro. Quando chegamos, meu pai olhou para o armário e depois para mim, saiu e voltou com dois martelos na mão. Deu um deles na minha mão e disse ‘vamos quebrar esse armário na pancada?’. Eu olhei meio sem entender e ele deu a primeira martelada, abrindo um buraco na madeira da porta do armário já carcomida. E aí depois eu fui com tudo, cara. Desci o cacete no armário. Imagina só, uma criança tendo licença para depredar coisas. Acho que foi a vez que me senti mais próximo dele em toda a minha vida.

— Está ficando tarde. Não é melhor voltarmos para o velório?

— Você não faz ideia do que é arrebentar um armário a marteladas ao lado do seu pai, cara.

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