O som da charanga passando pela rua estreita invade o ambiente lusco-fusco do bar. Dou um gole no meu Martini como quem estivesse vivendo em uma outra estação.

A porta se abre e um grupo de foliões quebra alguma coisa entre eu e o coquetel. Prometo não me intrometer. Faço uma cara de asco para o barman e dou um gole na minha bebida.

Alguém se senta ao meu lado. Não me viro para ver quem é. Esse alguém se sacode como um cachorro molhado – fazendo do meu Dry Martini um Dirty Martini.

Olho para os confetes boiando no gim. Jeito lindo de morrer.
Sem olhar para o lado, tento tirá-los com a ponta dos dedos. Meu drinque estava perdido.

  • Desculpe, tio!

Ouço uma voz de menina dizer. Resmungo sem olhar pra ela. Mas, afoita, a menina tira o copo da minha frente e grita para o barman: “moço, faz dois desse”!

Ia dizer que não precisava e emendar um sermão sobre respeito e espaço. Mas, ao por meus olhos na garota, ao deitar meus olhos cansados sobre ela, o som de uma antiga marcha carnavalesca batuca na minha alma boêmia.

“Foi uma morena que passou perto de mim…”

Calculei uns 20 anos e, por Deus, torci para não ter errado pra cima. A menina abriu um sorriso que fez meu Martini com confetes a bebida mais refrescante do carnaval.

teste – É tipo catuaba?

–  (…)

  • Eu acabei de tomar uma…

  • Não, é bem diferente.

  • Vou experimentar. E pode deixar que a sua eu pago.

  • Não precisa.

  • Eu enchi seu copo de confete. Uma vez eu quase morri engasgada com confetes…

  • É muito caro.

  • Caro quanto?

  • Caro tipo 33 reais.

  • Caraca, com esse dinheiro eu compro catuaba até o carnaval de 2025!

  • Não se preocupe. Eu pago.

O garçom trouxe os dois martinis e eu imaginei como seria divertido ver aquela garota experimentando um clássico pela primeira vez.

-Obrigado. Ah, nem me apresentei. Sou a Gabriela.

  • Oi, Gabriela. Aproveite seu Martini.

Ela insistiu em saber meu nome. E me apresentar me deu uma espécie de prazer impublicável. Coisa de velho, acho.

Antes de experimentar a bebida, a menina disse que esse era o primeiro carnaval que passava em São Paulo, que costuma ir ao Rio de Janeiro, mas que dessa vez iria dar uma chance aos bloquinhos da cidade…

Quando mais ela falava, mais eu queria subir numa máquina do tempo e ter 20 anos outra vez. Queria que as curvas das nossas respectivas vidas se encontrassem em outra circunstância. Me senti dessincronizado. Fora de foco. Injusto que a Gabriela me apareça agora, justo agora, quando eu já começo a arrumar as malas para ir embora.

  • Não vai experimentar sua bebida?

Ela fez que sim com a cabeça e deu um golinho mínimo no Martini.

Ver a cara feia que ela fez foi divertido. Mas também foi um aviso de nossas diferenças irreconciliáveis.

  • Forte, né? – digo.

  • Meio ruim – ela comenta com honestidade.

  • Não precisa tomar tudo – avisei de modo condescendente.

De repente, entra pela porta do bar outra garota. Minha Gabriela agita as mãos, derrubando mais confete em nossos martinis.

  • Lu, lu, vem experimentar isso aqui.

A Lu se aproxima, me cumprimenta com dois beijos no rosto e dá um gole no Martini com confetes. Ela faz a mesma cara feia da amiga, mas repete o gole.

  • Uau, isso aí deve dar mais onda que Catuaba.

Dou uma risada. Do tipo que não dava a uns 15 anos.

Luciana põe as mãos nos meus ombros e diz que “outro bloquinho está chegando”. Ela quer que a gente saia do bar e aproveite um pouco o carnaval. Minha Gabriela se anima imediatamente, levantando do balcão.

Eu, da minha parte, digo que não. Mas Gabriela me puxa pelo braço e logo estamos na rua (o barman ri com aprovação – sabendo que vou passar depois para pagar os drinques).

A charanga toca uma marcha dos meus tempos de menino. Gabriela e Lu se beijam. Eu penso em aplaudi-las. Na verdade, foi o que eu fiz. Elas riem. Sou abraçado pela dupla e levado para o meio dos foliões. Agem comigo como se agissem com uma criança. Vou me deixando levar. É difícil de explicar, mas, naquele momento, tudo tinha muito mais a ver com alegria do que com uma possibilidade de sexo.E o que aconteceu depois foi que…
No meio da multidão, me perdi. Nos perdemos. Ainda assim, foi o melhor carnaval da minha vida. Vou voltar para o bar e pedir outro Confete Martini.

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